Gay Talese, o contador de histórias reais, desembarca na Flip
Um dos fundadores do 'novo jornalismo' participa da 7ª edição da Festa Literária de Paraty neste sábado
Bruno Lupion, do estadao.com.br
- SÃO PAULO - Um dos participantes mais aguardados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta quarta-feira, 24, é o jornalista e escritor americano Gay Talese, de 77 anos, um dos fundadores do estilo que mistura a narrativa de ficção com a reportagem, conhecido como "novo jornalismo".
- Talese, repórter do The New York Times na década de 60, estará no litoral do Rio de Janeiro para a mesa literária "Fama e Anonimato", que é também o título de um dos seus livros mais vendidos, com textos sobre celebridades e desconhecidos de Nova York. Ele vai debater com o jornalista Mario Sergio Conti, diretor da Revista Piauí.
- Em entrevista concedida por e-mail ao estadao.com.br, Talese afirma que lê ficção na maior parte do tempo e que, na sua juventude, admirava Jorge Amado, um dos escritores brasileiros mais conhecidos no exterior antes do fenômeno Paulo Coelho. Sobre o estilo que o notabilizou, diz que sempre desejou escrever histórias no formato da ficção, mas sem inventar nada. "Sou um contador de histórias, mas as histórias que eu conto são reais e envolvem pessoas de verdade", diz.
- Questionado sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, Talese crava que "as escolas não são necessariamente o melhor lugar para aprender jornalismo". Mas pondera que os bons estabelecimentos ensinam "princípios ignorados com frequência" na profissão, como equidade, precisão e objetividade.
- Ele revela que nunca usou telefone nem gravadores de fita, inventos considerados modernos na sua época, pois fazia questão de falar "olho no olho" com o entrevistado. E parece que também não se rendeu ao computador. As respostas abaixo foram datilografadas na IBM elétrica que o escritor usa há 35 anos, escaneadas e enviadas por e-mail ao repórter.
Qual é a sua relação com a literatura brasileira?
- Eu cresci na década de 60 e conhecia bem o grande romancista Jorge Amado. Nessa época, muitos escritores de outros continentes eram lidos pelos americanos de minha geração. O italiano Alberto Moravia fazia grande sucesso, e eu o li. Também li Jorge Amado e outros autores latino-americanos, como [Gabriel] García Márquez, [Carlos] Fuentes, Octavio Paz e [Jorge Luis] Borges, para citar alguns. Cheguei a entrevistar Borges em Nova York e me encontrei duas vezes com García Márquez, em Havana em 1981 e em Roma em 1986 ou 87.
- Nomes do Brasil conhecidos atualmente por americanos mais jovens são o multi-talentoso Caetano Veloso, o escritor Chico Buarque e o muito, muito popular Paulo Coelho.
Você gosta de ficção?
- Sim, é o que eu mais leio. Quando eu era jovem, nas décadas de 50 e 60, os escritores de não-ficção e os jornalistas não se dedicavam muito ao estilo da escrita. Eles eram atraídos pela história de pessoas conhecidas, se empenhavam em retratar figuras públicas, principalmente estrelas do cinema, políticos e atletas famosos. Mas eu não tinha muito interesse nesse tipo de trabalho.
- Eu queria ler autores que explorassem a natureza extraordinária que há nos corações e almas das ditas pessoas comuns. Romancistas, contistas e dramaturgos eram os que escreviam sobre essas pessoas e exploravam a intimidade da condição humana, e eu os lia avidamente e quase que exclusivamente.
- Mas eu tinha o desejo de usar as técnicas de ficção para escrever sobre pessoas comuns, o que significava uma ruptura com a maioria dos escritores de não-ficção contemporâneos. Eu queria escrever sobre a vida privada, mas de uma forma verdadeira, factual, sem falsificar eventos. Sem nomes falsos. Sem exagerar o conteúdo. Eu queria escrever histórias no formato de ficção, mas fazia questão de usar os nomes reais das pessoas sobre as quais eu estava escrevendo. E foi isso o que eu fiz por toda a minha vida.
- Tenho sido um contador de histórias, mas as histórias que eu conto envolvem pessoas reais. Nada é inventado. É verdadeiro, não imaginado e não fabricado. É real e verificável.
Quais são seus autores favoritos?
- Quando eu era jovem, Francis Scott Fitzgerald. Entre os escritores de ficção atuais, Philip Roth.
O jornalismo ainda é uma ferramenta para combater injustiças e abuso de poder?
- Sim, acredito que seja. Mas isso depende da exatidão e da confiabilidade do jornalismo. O bom jornalismo que eu admirava era, em primeiro lugar, preciso. Em segundo, tinha um enfoque global, o jornalista sabia que havia muitos lados para todas as histórias e isso o fazia olhar de uma forma completa e variada. No meu trabalho, tanto as histórias longas como as curtas têm muitas personagens, e cada uma oferece um enfoque diferente. Você recebe muitos lados para uma questão, muitas versões para os fatos.
- Alguns de meus críticos alegam que eu não tenho opinião, mas isso não é verdade. O que ocorre é que eu vejo muitos lados de uma vez. Já me disseram que essa é uma característica dos italianos, pois meu sangue é italiano. Desde os romanos os italianos receberam muitas influências. Algumas delas foram conquistadas pelos romanos e outras conquistaram os romanos e todos aqueles que os sucederam na Itália.
Onde o jornalismo está fazendo um bom trabalho hoje?
- Enquanto eu respondo a esta entrevista, há protestos no Irã por causa da última eleição e o jornalismo está fazendo um bom trabalho, em um lugar difícil e com poucas ferramentas seguras. Lá a democracia está sufocada e há poucos jornalistas confiáveis para reportar com precisão o que estão testemunhando.
- As notícias de bloggers ou qualquer um com uma câmera de telefone celular não são necessariamente confiáveis, e pode ser que pessoas que dizem ser jornalistas não sejam jornalistas no sentido que eu considero.
- A imprensa americana em 2003 não fez um bom trabalho para revelar as mentiras da administração Bush em relação às denúncias de armas de destruição em massa que o governo divulgava para justificar a invasão do Iraque. Os resultados da invasão militar americana foram horríveis, e eu acho que o bom jornalismo poderia ter evitado isso se tivesse sido forte o suficiente em Washington para desafiar as afirmações da administração Bush. Os jornalistas americanos foram enganados pelos políticos de Washington e os correspondentes no Iraque tiveram que confiar demais em porta-vozes militares.
O Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que não é necessário ter um diploma de Jornalismo para trabalhar como jornalista. É importante para quem deseja ser jornalista fazer uma graduação em Jornalismo? Isso deve ser uma imposição legal?
- Eu não acho que escolas de jornalismo sejam necessariamente o melhor lugar para aprender jornalismo. Mas, por outro lado, boas escolas de jornalismo ensinam princípios que costumam ser ignorados com frequência. Como, por exemplo, equidade, precisão, objetividade e completude. E como pesquisar profundamente um assunto.
- Uma diferença entre os jovens jornalistas de hoje e os colegas de minha geração é que nós fazíamos mais pesquisa, investíamos mais tempo, andávamos mais e não confiávamos muito no telefone. E, não se esqueça, o telefone era a tecnologia do momento quando eu era jovem, seguido mais tarde pelo gravador de fita. Eu nunca uso gravadores de fita. E não fazia entrevistas pelo telefone, pois queria ver, olho no olho, a pessoa com quem eu estava conversando. Eu queria estudar sua linguagem corporal e absorver a atmosfera do lugar onde a entrevista ocorria.
Regular a mídia é necessário ou ameaçador? Como isso afeta a qualidade da informação?
- Regular a mídia é ameaçador, porque governos em geral têm muito poder e jornalistas são outsiders que dependem de fontes para se tornar insiders, o que significa, em outras palavras, saber o que está ocorrendo. Os jornalistas acabam adulando as fontes e as protegem, com o objetivo de conseguir as informações de dentro do governo.
O que o senhor acha de jornalistas trabalharem como assessores de imprensa?
- A partir do momento que um jornalista se torna um conselheiro de mídia, ele não á mais um jornalista. Ele é um assessor de imprensa. E, como tal, é um empregado de quem paga seu salário e perdeu seu papel de comunicador objetivo de notícias e eventos.
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