04 julho 2009

Gay Talese, o contador de histórias reais

Gay Talese, o contador de histórias reais, desembarca na Flip

Um dos fundadores do 'novo jornalismo' participa da 7ª edição da Festa Literária de Paraty neste sábado

Bruno Lupion, do estadao.com.br

Talese participará da mesa literária "Fama e Anonimato" com o brasileiro Mario Sergio Conti

NYT

Talese participará da mesa literária "Fama e Anonimato" com o brasileiro Mario Sergio Conti

  • SÃO PAULO - Um dos participantes mais aguardados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta quarta-feira, 24, é o jornalista e escritor americano Gay Talese, de 77 anos, um dos fundadores do estilo que mistura a narrativa de ficção com a reportagem, conhecido como "novo jornalismo".

  • Talese, repórter do The New York Times na década de 60, estará no litoral do Rio de Janeiro para a mesa literária "Fama e Anonimato", que é também o título de um dos seus livros mais vendidos, com textos sobre celebridades e desconhecidos de Nova York. Ele vai debater com o jornalista Mario Sergio Conti, diretor da Revista Piauí.

  • Em entrevista concedida por e-mail ao estadao.com.br, Talese afirma que lê ficção na maior parte do tempo e que, na sua juventude, admirava Jorge Amado, um dos escritores brasileiros mais conhecidos no exterior antes do fenômeno Paulo Coelho. Sobre o estilo que o notabilizou, diz que sempre desejou escrever histórias no formato da ficção, mas sem inventar nada. "Sou um contador de histórias, mas as histórias que eu conto são reais e envolvem pessoas de verdade", diz.

  • Questionado sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que acabou com a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, Talese crava que "as escolas não são necessariamente o melhor lugar para aprender jornalismo". Mas pondera que os bons estabelecimentos ensinam "princípios ignorados com frequência" na profissão, como equidade, precisão e objetividade.

  • Ele revela que nunca usou telefone nem gravadores de fita, inventos considerados modernos na sua época, pois fazia questão de falar "olho no olho" com o entrevistado. E parece que também não se rendeu ao computador. As respostas abaixo foram datilografadas na IBM elétrica que o escritor usa há 35 anos, escaneadas e enviadas por e-mail ao repórter.

Qual é a sua relação com a literatura brasileira?

  • Eu cresci na década de 60 e conhecia bem o grande romancista Jorge Amado. Nessa época, muitos escritores de outros continentes eram lidos pelos americanos de minha geração. O italiano Alberto Moravia fazia grande sucesso, e eu o li. Também li Jorge Amado e outros autores latino-americanos, como [Gabriel] García Márquez, [Carlos] Fuentes, Octavio Paz e [Jorge Luis] Borges, para citar alguns. Cheguei a entrevistar Borges em Nova York e me encontrei duas vezes com García Márquez, em Havana em 1981 e em Roma em 1986 ou 87.

  • Nomes do Brasil conhecidos atualmente por americanos mais jovens são o multi-talentoso Caetano Veloso, o escritor Chico Buarque e o muito, muito popular Paulo Coelho.

Você gosta de ficção?

  • Sim, é o que eu mais leio. Quando eu era jovem, nas décadas de 50 e 60, os escritores de não-ficção e os jornalistas não se dedicavam muito ao estilo da escrita. Eles eram atraídos pela história de pessoas conhecidas, se empenhavam em retratar figuras públicas, principalmente estrelas do cinema, políticos e atletas famosos. Mas eu não tinha muito interesse nesse tipo de trabalho.

  • Eu queria ler autores que explorassem a natureza extraordinária que há nos corações e almas das ditas pessoas comuns. Romancistas, contistas e dramaturgos eram os que escreviam sobre essas pessoas e exploravam a intimidade da condição humana, e eu os lia avidamente e quase que exclusivamente.

  • Mas eu tinha o desejo de usar as técnicas de ficção para escrever sobre pessoas comuns, o que significava uma ruptura com a maioria dos escritores de não-ficção contemporâneos. Eu queria escrever sobre a vida privada, mas de uma forma verdadeira, factual, sem falsificar eventos. Sem nomes falsos. Sem exagerar o conteúdo. Eu queria escrever histórias no formato de ficção, mas fazia questão de usar os nomes reais das pessoas sobre as quais eu estava escrevendo. E foi isso o que eu fiz por toda a minha vida.

  • Tenho sido um contador de histórias, mas as histórias que eu conto envolvem pessoas reais. Nada é inventado. É verdadeiro, não imaginado e não fabricado. É real e verificável.

Quais são seus autores favoritos?

  • Quando eu era jovem, Francis Scott Fitzgerald. Entre os escritores de ficção atuais, Philip Roth.

O jornalismo ainda é uma ferramenta para combater injustiças e abuso de poder?

  • Sim, acredito que seja. Mas isso depende da exatidão e da confiabilidade do jornalismo. O bom jornalismo que eu admirava era, em primeiro lugar, preciso. Em segundo, tinha um enfoque global, o jornalista sabia que havia muitos lados para todas as histórias e isso o fazia olhar de uma forma completa e variada. No meu trabalho, tanto as histórias longas como as curtas têm muitas personagens, e cada uma oferece um enfoque diferente. Você recebe muitos lados para uma questão, muitas versões para os fatos.

  • Alguns de meus críticos alegam que eu não tenho opinião, mas isso não é verdade. O que ocorre é que eu vejo muitos lados de uma vez. Já me disseram que essa é uma característica dos italianos, pois meu sangue é italiano. Desde os romanos os italianos receberam muitas influências. Algumas delas foram conquistadas pelos romanos e outras conquistaram os romanos e todos aqueles que os sucederam na Itália.

Onde o jornalismo está fazendo um bom trabalho hoje?

  • Enquanto eu respondo a esta entrevista, há protestos no Irã por causa da última eleição e o jornalismo está fazendo um bom trabalho, em um lugar difícil e com poucas ferramentas seguras. Lá a democracia está sufocada e há poucos jornalistas confiáveis para reportar com precisão o que estão testemunhando.
  • As notícias de bloggers ou qualquer um com uma câmera de telefone celular não são necessariamente confiáveis, e pode ser que pessoas que dizem ser jornalistas não sejam jornalistas no sentido que eu considero.

  • A imprensa americana em 2003 não fez um bom trabalho para revelar as mentiras da administração Bush em relação às denúncias de armas de destruição em massa que o governo divulgava para justificar a invasão do Iraque. Os resultados da invasão militar americana foram horríveis, e eu acho que o bom jornalismo poderia ter evitado isso se tivesse sido forte o suficiente em Washington para desafiar as afirmações da administração Bush. Os jornalistas americanos foram enganados pelos políticos de Washington e os correspondentes no Iraque tiveram que confiar demais em porta-vozes militares.

O Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que não é necessário ter um diploma de Jornalismo para trabalhar como jornalista. É importante para quem deseja ser jornalista fazer uma graduação em Jornalismo? Isso deve ser uma imposição legal?

  • Eu não acho que escolas de jornalismo sejam necessariamente o melhor lugar para aprender jornalismo. Mas, por outro lado, boas escolas de jornalismo ensinam princípios que costumam ser ignorados com frequência. Como, por exemplo, equidade, precisão, objetividade e completude. E como pesquisar profundamente um assunto.

  • Uma diferença entre os jovens jornalistas de hoje e os colegas de minha geração é que nós fazíamos mais pesquisa, investíamos mais tempo, andávamos mais e não confiávamos muito no telefone. E, não se esqueça, o telefone era a tecnologia do momento quando eu era jovem, seguido mais tarde pelo gravador de fita. Eu nunca uso gravadores de fita. E não fazia entrevistas pelo telefone, pois queria ver, olho no olho, a pessoa com quem eu estava conversando. Eu queria estudar sua linguagem corporal e absorver a atmosfera do lugar onde a entrevista ocorria.

Regular a mídia é necessário ou ameaçador? Como isso afeta a qualidade da informação?

  • Regular a mídia é ameaçador, porque governos em geral têm muito poder e jornalistas são outsiders que dependem de fontes para se tornar insiders, o que significa, em outras palavras, saber o que está ocorrendo. Os jornalistas acabam adulando as fontes e as protegem, com o objetivo de conseguir as informações de dentro do governo.

O que o senhor acha de jornalistas trabalharem como assessores de imprensa?

  • A partir do momento que um jornalista se torna um conselheiro de mídia, ele não á mais um jornalista. Ele é um assessor de imprensa. E, como tal, é um empregado de quem paga seu salário e perdeu seu papel de comunicador objetivo de notícias e eventos.

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