30 agosto 2009

Woodstock é resgatada em novo filme


do New York Times
Jagat Pandey e a esposa, Asha, proprietários do Valley Rest Motel, estavam parados desconsoladamente ao lado da garagem. Apesar de a maior parte do local estar bem mantida – grama aparada, portas de tijolo pintadas recentemente, painéis novos brilhantes na frente do escritório – uma parede estava atroz. A tinta descascava no sarrafo. A janela apodrecia com imundície. Uma carroça capotada deitava aleatoriamente no chão. “A garagem era boa”, disse Jagat Pandey. “Mas eles vieram e colocaram tinta velha lá, deixaram-na bruta”.






A parede não é qualquer parede; é a parede de Ang Lee. No verão passado Lee filmou cenas de seu último filme, “Taking Woodstock”, no Valley Rest, transformando-o em um resort falido chamado El Monaco, que serviu de acampamento para os organizadores do festival de Woodstock em 1969. A equipe de filmagem deixou a grama crescer, espalhou fumo e flor silvestre, acrescentou tinta multicolorida às portas dos quartos e até ergueu árvores no jardim para dar um toque de desleixo. E redecoraram o exterior do Valley Rest com várias camadas de tinta descascada e contrastante. Depois que as filmagens acabaram, a equipe arrumou o hotel de novo. Mas quando chegou à última parede da garagem, Pandey bateu o pé. Ele queria um suvenir. “Eles queriam pintá-la”, afirmou. “Eu disse: ‘Esqueça. Depois eu peço para alguém fazer isso’”.



Por cinco meses em 2008, “Taking Woodstock” armou sua própria base em New Lebanon, e Lee e a equipe causaram tanta impressão que os moradores ainda deverão falar sobre isso daqui a 40 anos. A cidade precisava de agitação.



Na fronteira de Massachusetts em Columbia County, cerca de 225 quilômetros ao norte de Nova Iorque, New Lebanon estava sentido os efeitos da recessão. Os negócios no punhado de lojas e cafés haviam reduzido a velocidade. O turismo – o lugar é uma alternativa barata para as cidades chiques em Berkshires – havia esvaecido. New Lebanon não tem uma rua principal bonita: as duas rodovias que se ligam, Route 22 e Route 20, são ruas amplas e limitadas alinhadas com shoppings laterais, postos de gasolina e lojas de segunda mão.







Evocação da beleza cênica despojada da era de Woodstock





Mas para Lee, a cidade, além de outras locações do país, ofereceu a evocação perfeita da beleza cênica despojada da era de Woodstock: atalhos retorcidos e esquecidos que podiam estar entupidos com engarrafamentos de moda; campos exuberantes e fazendas; lojas de conveniência de encruzilhadas empoeiradas. “Quando estávamos montando o cenário, as pessoas constantemente paravam os carros e olhavam”, disse Lee. “Alguns até se aproximavam com o carro. Uma mulher disse: ‘Todos os acontecimentos estão do outro lado da fronteira, em Massachusetts. Finalmente temos um evento cultural aqui’”.



“Taking Woodstock”, que estreia no Brasil em janeiro de 2010, é uma mudança de ritmo extrema para Lee, que ganhou um Oscar por “O Segredo de Brokeback Mountain”. Conta a história de Elliot Tiber (interpretado por Demetri Martin), um pintor de Nova Iorque que retorna ao Catskills no verão de 1969 para ajudar seus pais imigrantes judeus russos e extravagantes (Henry Goodman e Imelda Staunton) a reviver um hotel tosco. Quando a cidade próxima de Walkill rejeita o festival Woodstock, Elliot aparece, trazendo paz, lama, crianças, o creme do rock ‘n’ roll do fim dos anos 60 e uma dose de iluminação ao quintal dos pais.



Peso leve



Depois da premiere do filme em Cannes em maio, alguns blogueiros americanos reclamaram que era um peso muito leve para um diretor conhecido por histórias brutalmente emocionais como “O Segredo de Brokeback Mountain”, “Tempestade de Gelo” e “Desejo e Perigo”. Mas o parceiro criativo de longa data de Lee, o produtor e roteirista James Schamus, disse que peso leve era o ponto. “Ele fez seis filmes depressivos em seguida”, afirmou Schamus. “Eu disse: ‘vamos fazer um filme que seja alegre. Se você não estiver se divertindo todos os dias, eu saio’”.



Lee estava preocupado sobre como a comunidade receberia a produção. “Não sabemos o que vamos enfrentar”, disse. “As pessoas podiam ser incomodadas ou podíamos causar inconvenientes. Às vezes elas querem expulsá-lo. Mas foi maravilhoso. Ninguém protestou. Todo mundo queria ajudar. O espírito de Woodstock estava conosco”. Schamus estava especialmente decidido em estabelecer boas relações com os nativos. Ele tem uma casa de veraneio em Columbia County. Ele se lembra de falar à equipe: “No final da gravação vocês vão para a casa, e eu estou preso aqui como um refém em uma tragédia grega. Se vocês fizerem algo rude, se fizerem qualquer coisa que faça as pessoas se sentirem que foram usadas, sou eu quem vai fazer compras com eles pelos próximos 30 anos da minha vida”.



Mas parece que durante os cinco meses de produção um romance brotou entre os moradores e a produção. “Pessoas maravilhosas”, disse Sam Dawson, proprietário de 92 anos de uma fazenda que teve o tamanho dobrado por Max Yasgur, o local do festival. “Não havia nada jogado na fazenda quando eles terminaram”. Por vezes um membro da equipe batia à porta e convidava a família para as refeições. “Um dia eles trouxeram o café da manhã”, adicionou Dawson. “Eu já estava comendo”.



Outros se maravilharam com a eficiência da equipe. Para Barbara Ferrari, que alugou a Slattery's Country Store em East Chatham para os cineastas por uma semana, a experiência foi como um daqueles comerciais “E se as equipes de filmagem controlassem o mundo?”. “Ficamos sem água no primeiro dia”, disse ela. “Eles falaram, ‘vamos trazer banheiros químicos’. E vi umas coisas enormes chegando. Eram como camarins. Eram o Cadillac dos banheiros químicos”.











Michael DeBella, o dono robusto e tatuado do Hitchinpost Cafe em New Lebanon, fica sentimental só de pensar em Lee e na equipe. “Sem o filme, duvido que teríamos conseguido sobreviver no inverno passado”, disse. “Estávamos nesse nível de falência”. DeBella começou lavando potes e panelas e um dia foi selecionado para produzir refeições e marmitas para a equipe. “Servi perto de três mil almoços e nunca ouvi uma reclamação”, declarou.



O alcance dos cineastas se estendeu pela cidade: eles contrataram empreiteiros e encanadores locais, alugaram um edifício de escritórios e fizeram doações a igrejas e escola locais. O famoso perfeccionismo de Lee ocasionalmente se mostrava. Sandy Dawson, filha de Dawson, foi contratada como vaqueira, e Lee queria que as vacas posassem como tal.



Vida real



“Vacas são vacas”, explicou Sandy Dawson. “De manhã elas estavam muito felizes. Depois do almoço
do New York Times

estava quente, e as vacas gostam de deitar depois do almoço. Tivemos que empurrá-las fisicamente para ficarem de pé lá. Eles queriam que elas ficassem perto desse ou daquele lugar. E Morgan, ele é um grande bezerro; depois de um tempo ele estava virando os olhos, tipo: ‘Não vou mais fazer isso. Não quero ser uma estrela de filmes, acabou’”.



Pandey e a esposa estiveram a ponto de destruir o Valley Rest. Pandey, um ex-engenheiro da General Electric, comprou o hotel em 1990 para a esposa administrar. Mas os negócios caíram em 2007, e eles estavam prontos para se aposentar. Duas semanas antes de programado o início da demolição, eles voltaram de uma visita à Índia e acharam o celular entupido de mensagens desesperadas da equipe. Lee os conquistou: eles vão deixar tudo em pé.



Algumas semanas atrás, Lee se dirigiu, por assim dizer, de volta ao jardim. Schamus e ele retornaram a Columbia County para uma “exibição para as pessoas” de “Taking Woodstock” no Crandell Theater, cinema levemente em decadência de 1926 em Chatham. Um tapete vermelho frágil decorava a calçada. Uma solitária van de um canal a cabo local estava estacionada do outro lado da rua, e os policiais em uniformes sem manchas colocavam um olhar prazeroso nos acontecimentos. Os nativos trajavam gravatas e saias em camadas, e uma envelhecida mulher hippie de cabelo esvoaçante cinza serenava a multidão com músicas de folk em uma guitarra acústica.



Dentro, enquanto o filme estava por começar, Lee foi para a frente. O rugido de apreciação deve ter sido ouvido até em Manhattan. Ele tentou fazer um discurso agradecendo o povo, mas o microfone continuava atrasando. Enfim ele disse apenas, “Esse é o Woodstock da vida real para mim”. Em seguida a multidão foi para uma festa na rua, onde uma grande tenda branca se alongava pela mata da vila. Os Dawsons e os Pandeys se sentavam juntos, comendo cachorros quentes e chili. A esposa de Schamus, Nancy Kricorian, vestida adequadamente com jaqueta jeans, não conseguia superar a mudança de atmosfera da estreia de Nova Iorque da noite anterior. “Onde está a segurança?”, perguntou, notando que ninguém estava protegendo as entradas da tenda. Lee posou para fotos com os braços ao redor dos Pandeys. Depois, Jagat Pandey foi indagado sobre como o hotel aparentava no filme. “Horrível!”, disse, sorrindo radiante.









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