30 setembro 2011

Elias Ribeiro Pinto: Dalcídio está no meio de nós

(Diário do Pará)

Dalcídio Jurandir já não é apenas um nome à deriva nas águas da literatura brasileira, ou paraense, para termos um porto de onde partir. Com três romances recentemente reeditados, os livros do autor voltaram a frequentar a seção de lançamento das livrarias – pelo menos nas livrarias belenenses que restaram.

Muito citado e pouco lido, há muito que a grande maioria dos títulos do escritor paraense estava esgotada. Das novas gerações, quem se interessasse em conhecê-lo dificilmente toparia com um volume do autor. Em 2004, com a reedição daquele que é, em geral, considerado seu mais importante romance, “Belém do Grão-Pará” – em coedição da Editora da Universidade Federal do Pará (Edufpa) e Casa Rui Barbosa –, a orfandade do leitor diminuiu. Pena que a distribuição do livro tenha sido precária. No ano passado, foi a vez de “Marajó” retornar à luz, também em coedição Edufpa e Casa de Rui Barbosa.


Agora, no centenário de nascimento do autor – nasceu em Ponta de Pedras, no Marajó, em 1909, e morreu no Rio de Janeiro, em 1979 –, a Editora da Universidade Estadual do Pará (Eduepa) lança, na próxima terça-feira, o romance “Primeira Manhã”. Publicado originalmente em 1968, pela editora Martins, sexto romance da série Extremo-Norte – composta de dez volumes: “Chove nos Campos de Cachoeira” (1941), “Marajó” (1947); “Três Casas e um Rio” (1958), “Belém do Grão-Pará” (1960), “Passagem dos Inocentes” (1963), “Primeira Manhã” (1968), “Ponte do Galo” (1971), “Os Habitantes” (1976), Chão dos Lobos (1976) e Ribanceira (1978) –, o livro chega vestido a caráter para a celebração da data, numa caprichada edição, com texto atualizado e bela apresentação gráfica, com capa baseada numa pintura de Ismael Nery.

O cuidado com os critérios editoriais de “Primeira Manhã” inclui uma série de textos sobre o autor, escritos especialmente para esta edição por especialistas na obra de Dalcídio. Vale ressaltar que um desses artigos, assinado pelo escritor e crítico mineiro Antonio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, foi um dos últimos textos que o autor da trilogia “Alma da África” deixou para ser publicado. Olinto, contemporâneo de Dalcídio, morreu no último dia 12 de setembro, aos 90 anos, no Rio de Janeiro. Neste artigo, intitulado “Dalcídio, o romancista de um povo”, Olinto diz que o romancista marajoara, dono de seu chão, “incorpora todo o mundo amazônico, numa visão geral da terra, da gente e dos ódios e amores que as envolvem”.
No artigo “‘Primeira Manhã’, as culpas soterradas de Alfredo”, a professora Marli Tereza Furtado, da UFPA, nota que “o romance ‘Primeira Manhã’, sexto livro do ciclo Extremo Norte e quinto em que Alfredo aparece como protagonista, poderia agrupar-se aos três títulos que o sucedem (‘Ponte do Galo’, 1971, ‘Os Habitantes’, 1976, ‘Chão dos Lobos’, 1976) e formar a tetralogia das perambulações de um ginasiano culpado”. Alfredo, personagem central do romance, vive a sua tão cobiçada primeira manhã de ginásio, entre acontecimentos e impressões que lhe ferem fundamente a adolescência.

Por sua vez, Paulo Nunes, professor da Unama e dedicado leitor da obra dalcidiana, observa, em “Amanhecer, as calças curtas dependuradas no varal”, que se pode falar de “Primeira Manhã” “como um romance-rito, rito de passagem; um romance-grito, grito dos excluídos”; um romance ficto-facto, ficção e realidade se enovelando para dar conta das contradições humanas na grande planície pan-amazônica”.

A nova (e segunda) edição do romance oferece ainda um glossário, preparado pela professora Rosa Assis, uma lista de topônimos, a cargo de Fernando Farias e Nilson Bezerra Neto – explicando a origem, situando e, quando é o caso, atualizando localidades e edificação em Belém e no Marajó –, a explicação dos critérios editoriais adotados e reprodução de textos e capa da primeira edição.

O lançamento de “Primeira Manhã” abre a série Memórias Reeditadas, selo da Eduepa destinado à publicação de obras literárias ou científicas, referentes à Amazônia e de relevância acadêmica, fora de catálogo. Para falar sobre o lançamento de “Primeira Manhã” e da coleção que o romance inaugura, entrevistei a professora Josebel Akel Fares, organizadora do volume e coordenadora da Eduepa. Publico ainda a programação em torno do lançamento do romance e palestras tendo como tema a obra e a vida de Dalcídio Jurandir que serão realizadas durante o III Simpósio de Letras da Universidade do Estado do Pará.

E o mais importante: com a reedição de Dalcídio Jurandir, espera-se que a crítica desperte (junto com o leitor) para a obra do autor, para que esta, reavaliada em seus achados e desencontros, reencontre seu espaço no cenário da literatura nacional.
(Diário do Pará)

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