06 novembro 2013

Feira do Açaí,Belém: a essência da identidade paraense


Às cinco da matina saltamos do táxi na Praça do Relógio. Estava escuro e a região portuária não parecia muito amigável. Eu carregava uma Mariana sonolenta no colo enquanto o Raul abria caminho para a gente passar pela calçada apinhada de gente. Chegamos na hora do rush.
— Vamu rápido, Damião! – gritava apressado um carregador com três cestos de açaí na cabeça. (Cada um pesa 15 quilos.)
A movimentação ao lado do Mercado Ver o Peso começa cedo. Por volta da 1h da manhã chegam os primeiros barcos abastecidos com toneladas de açaí recém-colhidas da floresta e ilhas da região.

Durante a madrugada, o enorme pátio — emoldurado pelo Forte do Castelo e pela Baia do Guajará — se transforma numa das cenas mais singulares do Brasil. Alguns milhares de cestos, chamados de paneiros, tomam conta do local e proporcionam aquela experiência antropológica, autêntica e única que todo turista gostaria de ter.

A Feira do Açaí de Belém é puro turismo de contemplação. Não se faz nada muito diferente senão observar o vai e vem dos carregadores, a pintura naïf formada pelos barquinhos ancorados, a história que passa de geração em geração, a formação da economia popular e a preservação da identidade.
É a memória de uma região, onde o consumo de açaí em litros chega a ser o dobro do consumo de leite. (Pai d’égua! – pensei.)
— Dá licença, moça bonita! – pede outro carregador, esbaforido. (A moça bonita era eu, em transe atrapalhando o trabalho da rapaziada. Paixonei, claro!)

Como o açaí é muito perecível a negociação após o descarregamento é rápida. Os vendedores, aos berros, tentam oferecer o melhor preço — que varia de acordo com o grau de maturação, tamanho e variedade.
Vai pagar mais caro quem quiser levar o famoso Açaí Branco que, na verdade, é verde. Embora não pareça, esta espécie mais exótica da fruta já alcançou seu grau máximo de maturação, mas não mudou de cor. Como chega em menor quantidade, o Açaí Branco é vendido como se fosse uma iguaria, quase uma trufa paraense. Tem sabor diferenciado, dizem.

— Simbora, menina, olha o passo! (A menina era eu, ainda em transe atrapalhando o trabalho da rapaziada. Largada de amor!)
Comprador é o que não falta. O Pará é o maior produtor nacional da frutinha, o que corresponde a 85% do total produzido no Brasil. Sem contar que o próprio paraense é um consumidor compulsivo do açaí. Mas esqueça a granola e a banana.
Por aqui, o açaí acompanha peixe, farinha e camarão. Também vira mingau, suco ou sorvete. Muita gente come sem açúcar durante as refeições. Já quem adoça está com a sobremesa garantida.

O sol nasce e o descarregamento diminui. Lá pelas 7h da manhã você só vê os cestos vazios, empilhados de cabeça para baixo. A esta hora, bares, restaurantes, sorveterias e lanchonetes  — não só da capital, mas de toda a região — já estão abastecidos com o fruto negro-arroxeado. O açaí passará por uma despolpadeira até se transformar naquele caldo grosso (ou mais fino, depende do freguês) chamado “vinho do açaí”.


Também já havia chegado minha hora de partir. (Valeu, Riq Freire, se não fosse esse seu post eu não teria vindo até aqui!) O Mercado do Peixe, logo ao lado, me esperava. Mas tive uma espécie de delirium tremens, aquela psicose causada pela ausência de algo que eu não poderia voltar a experimentar tão cedo. Feira do Açaí você só encontra em um único lugar do mundo: Belém.
Não queria abandonar aquela dança sincronizada, os frutos simetricamente organizados, o moça bonita, a coreografia perfeita do tira o cesto do barco, descarrega no pátio, volta para o barco, tira do barco
“— Simbora, menina, olha o passo!”


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