13 janeiro 2014

Quem São Eles?

Uma historia assim não acontece todos os dias e nem com qualquer time. 2013 bem que podia ser o ano da grande virada na casinha do futebol brasileiro, mas ao inferno todas as manobras e vamos degustar o texto abaixo. colado e roubado do blog do Flavio Gomes.
GUARUJÁ – Essa foto aí em cima foi tirada há um mês no Maracanã. O jogo era contra o Botafogo e nossa quarta-feira foi muito legal. Peguei os moleques na escola, sexta-feira era feriado, eles mataram aula com autorização dobrada, paramos numa lanchonete para comer um sanduíche e fomos para a estrada, falando do time, da campanha, dos jogos perdidos no fim, dos gols desse, das defesas daquele, da goleada inesperada, da vitória apertada, da derrota injusta. O plano era chegar ao Rio ao anoitecer e se não desse tempo para deixar as coisas na casa do amigo, iríamos direto para o estádio. Conheço mais ou menos o Rio e saberia encontrar o Maracanã.
Erramos uma saída, fomos parar em Madureira, mas a rota foi corrigida a tempo e quando faltava uma hora para o começo do jogo estávamos diante do maior do mundo, ou ex, procurando um lugar para estacionar e perguntando onde ficava a bilheteria dos visitantes. Encontramos ambos, caminhamos do estacionamento à bilheteria com nossas camisas, sem preocupação nenhuma em nos esconder, antes com muito orgulho das cores, fomos recebidos com boas-vindas pelos… receptivos?, compramos nossas entradas, conhecemos o novo Maracanã, belo, colorido, feérico, uau. O jogo terminou empatado, 0 a 0.
Seis meses antes, estivéramos em Capivari, Barueri, Campinas, na Rua Comendador Souza e em Rio Claro, para uma decisão. O ritual foi, tirando um detalhe aqui, outro ali, o mesmo. Em todos esses lugares nos divertimos, nos unimos um pouco mais, sofremos as mesmas angústias e explodimos de alegria pelas mesmas razões, nos abraçamos, gritamos palavrões, urramos, xingamos todos, todos os adversários e todos, todos os juízes, bandeirinhas e quartos árbitros, além dos técnicos dos outros times, naturalmente.
Escrevo hoje com o coração sangrando. Não pelos jogos que não verei no ano que vem, pelos adversários que, provavelmente, não enfrentaremos. Isso, e lamento decepcioná-los, não nos faz a menor diferença. Enfrentar o Barcelona no Camp Nou ou o Velo Clube em Rio Claro é mais ou menos a mesma coisa. Portanto, se alguém quiser me encontrar, e aos moleques, no ano que vem, é só consultar a tabela dos campeonatos que disputaremos, porque disputaremos campeonatos, e como em todos eles teremos adversários pela frente que serão enfrentados com brio, luta, dedicação, esforço. No campo, que é onde se joga, onde se ganha e onde se perde.
O coração sangra por outras razões. Sangra porque ao contrário da imensa maioria que está, neste exato momento, olhando para a gente com dó ou escárnio, porque nada entende de nada, fiz parte desta história de 38 jogos porque neles estive, não em todos, mas em boa parte deles, para exercer algo que ninguém jamais vai tirar de mim: paixão.
Quando subi num alambrado para xingar o coronel travestido de técnico, quando me dirigi às tribunas para mandar o presidente tomar no cu, quando tive de entrar, eu e os moleques, às pressas no carro de um igual para fugir de pedradas no Pacaembu, quando perdi meu emprego por não me conformar com a injustiça, a agressão ao mais fraco, a violência brigadiana contra nosso capitão em Porto Alegre, estava sendo o que sou: um apaixonado pelo meu time.
Cego, bobo, insano, mas apaixonado.
E nosso esforço não foi em vão, ah, não foi. Terminamos em 12° lugar, um ponto atrás do campeão da Copa do Brasil e a dois do campeão mundial. Não temos torcida grande, jogos transmitidos pela TV, patrocínios milionários, receita ilimitada da emissora que é dona do futebol, simpatizantes na imprensa, arena com cadeirinhas, setor VIP, camarotes, telão de alta definição. Mas quando eu gritei para o técnico, o gordinho espetacular, que ele era foda pra caralho, ele ouviu, e isso deve ter feito bem a ele, assim como ao lateral que encontramos nas férias num hotel em Fortaleza deve ter feito bem um moleque sair do nada com a camisa do time no café da manhã dele e pedir para tirar um retrato, e também ao atacante que postou uma foto no Instagram se recuperando e recebeu uma curtida e uma mensagem de apoio e volte logo, precisamos de você.
Mas não precisam ter pena da gente, não. Fomos vítimas, hoje, de uma injustiça inacreditável, mas essas coisas não nos derrubam. Nossa desorganização interna pode ter criado uma situação delicada, esquisita, até, mas que não era indefensável. Poderia, aqui, citar códigos, artigos, parágrafos, estatutos, regulamentos, li tudo nos últimos dias sobre eles. Não sou advogado, mas há muitos que são e escreveram sobre o caso. Este aqui, por exemplo — fosse eu advogado do clube mandaria imprimir e entregar aos caras do tribunal, esta é nossa defesa, e nem apareceria na audiência, porque o resultado seria o mesmo, fosse nossa defesa impecável, como essa, fosse patética, como foi, com o advogado contratado comparando o jogador que não deveria ter jogado a um chuchu, que não faz bem, nem mal.
Sabemos inclusive rir de nós mesmos. Atacante-chuchu, vejam vocês…
A Portuguesa é o que resta do futebol de verdade no Brasil, ou quase isso — há outros clubes que sobrevivem incrivelmente a estes tempos, com torcidas igualmente pequenas e apaixonadas, mas nem todos conseguem se manter na tal da Série A por motivos óbvios, não interessam, não estão no Playstation. No futebol da “elite”, certamente a Portuguesa é um corpo estranho. Um elo perdido. Muita gente acha a Portuguesa esquisita. Como pode esse time de torcida tão pequenina, que não aparece no jornal da hora do almoço, que não tem nenhum jogador famoso, existir? Quem são vocês, ó torcedores da Portuguesa? O que é você, Portuguesa? Por que é que você torce para a Portuguesa, ó torcedor da Portuguesa? Que espécie de… seres são vocês?
Bem, quem faz essas perguntas jamais vai entender as respostas.
Mas OK, vou tentar.
Nós somos os que estaremos nos jogos do ano que vem. Não sei direito em qual campeonato, mas estaremos lá. Pode ser que eu pegue meus moleques na hora do almoço e vá ao Rio de carro novamente, talvez não ao Maracanã. Mas pode ser também que a gente pegue um avião e vá até Fortaleza, ou Natal. Campinas é destino certo, Recife, Florianópolis e Belo Horizonte, talvez. Tanto faz. Já caímos no campo algumas vezes, e subimos nele. Desta vez caímos fora do campo, subiremos nele novamente, é só assim que sabemos fazer, só assim é aceitável, só assim pode-se vestir uma camisa com orgulho e dignidade.
Esses somos nós. Os que não sabem ser de outro jeito.
Nos tiraram, hoje, algum dinheiro que entraria no caixa no ano que vem. Bem menos que a maioria ganha, mas que seria suficiente para começar a endireitar as coisas e tocar nossas vidas, nós, os esquisitos junto de vocês, que não nos compreendem. Paciência, encontraremos um jeito de ajeitar tudo.
Ah, não é só dinheiro não!, arriscará alguém que precisa encontrar alguma razão para nossa existência, vocês não vão jogar nas arenas, enfrentar o campeão disso, o vice daquilo, o classificado para aquele torneio, se foderam, seus minúsculos irrelevantes!
Não, não nos fodemos. Na verdade, a gente não tem tanta vontade assim de jogar nas arenas, nem de enfrentar o campeão disso, o vice daquilo, de aparecer no programa da hora do almoço, ou na noite de domingo em forma de cavalinho. Desculpem, mas enfrentar você, você e você não é exatamente uma honra para a gente.
A gente só quer saber quando será o próximo jogo, e onde, para seguir fazendo o de sempre: amar nosso time, e só ele.
Espero ter respondido quem somos.

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