21 março 2010

O fusca da Pantera


ALAN BORDALLO Amazonia jornal

da Redação
Algumas palavras não fazem parte do vocabulário do santareno Mário Omar. E isso não é culpa do ensino público paraense. Com obstinação e coragem, o fiel torcedor do Pantera simplesmente optou por ignorar o significado de sentimentos como medo, frustração e incapacidade. O conceito de superstição, por outro lado, Omar conhece bem. Foi baseado nele que o paraense resolveu arquitetar sua odisseia particular: saiu, em um Fusca ano 75, todo decorado com motivos alusivos ao São Raimundo, de Santarém rumo ao Rio de Janeiro, sob a prerrogativa de que o carrinho de estimação daria sorte ao time do coração na partida contra o Botafogo, pela Copa do Brasil. O resultado do jogo não classificou o Pantera, mas, como já foi mencionado, frustração não está no dicionário de Mário.

A "mística" do Pantera-móvel começou há muito tempo. Mário conta que o carro foi adquirido por R$ 3 mil na época em o pai dele estava abatido por uma doença. Na ocasião, o filho pôs o Fusca à disposição do pai, o que trouxe uma alegria ao patriarca em um momento delicado. Anos depois, já sob a alcunha de Pantera-móvel, o veículo começou a atuar nos campos de futebol.

Por muitas vezes Mário esteve no Colosso do Tapajós com o fusquinha. As vitórias do São Raimundo foram tantas que ele já nem sabe dizer o número exato. A última delas, e que diretamente reacendeu a posição de "pé de coelho" do carro, foi na final da Série D, contra o Macaé-RJ. "No jogo contra o Macaé cheguei atrasado. Passei pela concentração de uma passeata gay e me atrasei 40 minutos. Quando cheguei o time estava perdendo de 1 a 0. O pessoal mandou encostar o carro, quando encostei e bati a chave o pessoal gritou pelo carro e o São Raimundo empatou. Esse carro tem dado sorte", gaba-se o dono.

A partir dali a "galera" se convenceu de que o Fusca era um amuleto imprescindível para o sucesso da equipe. Os amigos alvinegros de Mário, então, começaram a tentar convencê-lo a levar o carro para Santarém, para "garantir" a vitória do Pantera sobre o Botafogo. Mário pensou que a fase do time - que na ocasião era o lanterna do Parazão e "pegava cacete" de todo mundo, como diz o dono - poderia quebrar a aura do carro.

"Pensei: ‘vou levar o carro para lá e o Botafogo vai dar de 10 no Pantera’. Mas o pessoal insistiu. Certo dia eles ligaram dizendo que o navio estava esperando o carro até as 16 horas. Aí tive que pedir licença do meu trabalho, coloquei o carro no navio, peguei um avião e fui para Santarém. Quando cheguei fomos para o treino do Botafogo o pessoal da (TV) Globo viu e fez uma matéria. Eu disse que o carro dava sorte. Coincidência ou não, estava acontecendo. E disse que o São Raimundo ganharia de um a zero, que daríamos show de bola e bati no capô do carro e disse que o carro estaria no Engenhão", relembra Mário, à altura já convencido do poder do Fusca.

Ofertas pelo carro chegaram a R$ 25 mil

A chegada ao Rio de Janeiro aconteceu no dia 11 de março, dia da partida entre Botafogo e São Raimundo no Engenhão. De praxe, uma equipe da TV Globo o aguardava e filmou a apoteótica chegada do santareno, a bordo do seu Fusca 75, à Cidade Maravilhosa. O carro trouxe toda a sorte possível na viagem de ida. Sobraria um pouco para o São Raimundo?

A correria no Rio de Janeiro foi tanta que Mário não foi de Fusca para o estádio. Talvez isso explique a desclassificação do São Raimundo. "O São Raimundo não rendeu o que poderia. Os jogadores são rápidos e pequenos e tínhamos que usar o lado bom disso. Nossa virtude é essa. Demos azar quando o Flamel escorregou. Naquela hora a torcida já tava jogando contra o time. Lá não rendemos tudo, mas na matemática do jogo, pelo que vi em campo o São Raimundo ganhou o jogo, a vaga", explica ele.

Mário agradeceu a hospitalidade dos cariocas, que elogiaram sua coragem de cumprir, sozinho, uma viagem longa e cansativa como aquela. Os botafoguenses o presentearam com faixas e mascotes do alvinegro carioca, que hoje ele guarda com carinho, como recordações de uma vitória, não do Pantera, ou talvez também do Pantera, mas sua principalmente.

Mário recebeu ofertas pelo carro: R$ 25 mil foram oferecidos. Mas faltava ainda a volta para casa. Diferente da ida, na volta o carro começou a apresentar alguns problemas. Ele contou com a solidariedade de carreteiros e mecânicos que encontrou pelo caminho: todos haviam acompanhado pela TV a sua odisseia pessoal. Mário chegou são e salvo a Belém. Se o Pantera-móvel, um Fusca 75, falasse, com certeza teria muitas estórias para contar. Como o carro não fala, Mário fala por ele. Com o maior orgulho.

"Odisseia pessoal" de 4.634 km teve duração de sete dias
Começou então o trabalho para deixar o carro pronto para uma viagem que duraria 7 dias e compreenderia uma distância de 4.634 km, dividida em Santarém para Belém e da capital paraense para a capital fluminense. O primeiro cuidado de Mário e da equipe que o ajudou nos bastidores dessa jornada foi essencial: fazer uma lavagem no motor, carburador e tanque de gasolina do carro. "Nem lembro quando foi a última vez que fiz isso", confessa ele.

Algumas peças, já gastas, foram trocadas também no carburador. Depois veio uma "gambiarra": foi colocado na entrada do tanque de gasolina um coador de café, para filtrar possíveis detritos que vêm junto com o combustível. Mário conta que, como o carro é refrigerado a ar, e não água, como a maioria, outra "gambiarra" foi improvisada para resfriar o motor. O último passo foi trocar os pneus. O gasto nem foi tão alto, se considerado o valor afetivo que o carro tem: com cerca de R$ 1.500,00 investidos o Pantera-móvel estava pronto para cair na estrada rumo à Cidade Maravilhosa.

"O objetivo principal era que o Fusca chegasse lá. Na hora da empolgação falei que eu ia. E o cara quando é homem tem que cumprir, ficaria chato para os santarenos e os paraenses em geral se eu não fosse. Iam dizer: ‘esse caboclo é covarde’. Então eu fui, sozinho", recorda.

Muita gente duvidou que ele cumprisse o feito. Esse talvez tenha sido o grande combustível para Mário. "A emoção maior foi eu ir sozinho. Mesmo se levasse outro pra dirigir não daria certo. Porquê? Porque dois dirigindo ia acabar com o Fusca, ele não tinha preparação para trabalhar 15 horas por dia. Se eu fosse descansar e chegasse outro para dirigir, a gente ia matar o fusca no primeiro dia. E também ia tirar o gosto de dizer que o caboclo foi sofrendo, penando. Se eu fosse no avião, de ar condicionado, qual seria a graça? Tem que dar uma emoção", diz.

O motorista contou também com a sorte para cumprir o trajeto. Foram 7 dias de viagem, enfrentando condições climáticas distintas a cada Estado que passou, estradas esburacadas e rodovias perigosas, cheias de carretas. Quinze horas de viagem sem interrupções por dia, durante uma semana. A cada cidade que parava, uma equipe da Rede Globo aguardava Mário e conferia a quilometragem do carro. Quando a solidão apertava, Mário conversava com o carro. "Eu conversava muito com o carro. Me chamavam de doido e eu tinha esse negócio de doido mesmo às vezes. Eu coversava com ele e dizia que ele ia respirar aquela hora, então nas serras eu soltava, colocava ele em ponto morto para ele respirar um pouco", relembra.



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