09 janeiro 2013

Walter Bandeira

(Edgar Augusto, especial para o Diário do Pará)

Walter Bandeira não aparecia na TV, nem em revistas de celebridades. Sequer tocava no rádio. Mas lotava qualquer teatro ou barzinho musical de Belém em que se apresentasse. Costumávamos chamá-lo de “Santo” em nossa coluna aqui do jornal, porque realmente ele conseguia o milagre de arrebatar plateias. As pessoas ficavam extasiadas ao ouvir a voz grave, adoravam os gestos teatrais e as piadas para maiores. Elas tinham o Walter como ídolo. E olha que ele era daqui. Realmente um “Santo”, partindo do princípio de que o belenense é normalmente receptivo para com os artistas de fora e um tanto frio para com os de dentro ( exceção para aqueles que se tornam “globais”). Walter Bandeira Gonçalves foi, de forma indiscutível, um fenômeno. Vai ser difícil aparecer outro igual. Mas, nem todo fenômeno surge por acaso.



Walter se impôs com força desde o começo de uma carreira que conhecemos no final dos anos sessenta no escondido ‘Tic Tac’, da Alcindo Cacela com a Governador José Malcher. Lá estava ele ao lado do pianista Guilherme Coutinho como um especialista nas músicas tropicalistas de Caetano Veloso e Gilberto Gil, as quais dava um andamento sofisticado, puxado ao jazz. Pouco tempo depois, na aristocrática Assembleia Paraense, ainda com Guilherme ao lado, lá estava ele, já cantando coisas da própria terra como “Curtição” e “Cobrindo o sol”, destaques do LP de Coutinho, gravado no Rio.

O artista, o ídolo e o locutor de rádio



Os anos setenta concederam luzes douradas na direção de campos que contemplaram, com o tempo, a atuação do cantor ao lado do jovem grupo Gema, com Sagica, Nego Nelson, Kzam Gama e Dadadá Castro. Os espetáculos mostrados no bar Maracaibo permanecem vivos nas lembranças de muitos. O já locutor de rádio, por sinal excelente, viria a conhecer o auge da carreira a partir da década de oitenta, através de uma sonoridade até agora difícil de descrever, já que era nutrida por algo tão espontâneo quanto natural. O Walter ídolo, ligado ao grupo de teatro Cena Aberta, surgia diferenciado, irreverente e querido. Não foi por acaso que o “Bastidores”, de Chico Buarque, inspirado em Cauby Peixoto, serviu-lhe como uma luva.



O sucesso de Walter estimulou incentivos para que fosse embora de Belém e seguisse carreira nacional no Rio. Mas ele não queria. O ídolo, na verdade, não queria ser ídolo, não se achava ídolo. Chegou a gravar um LP nos estúdios da Rauland, inclusive com a participação do grupo Boca Livre. Em nenhum momento, contudo, ventilou a possibilidade de sair da terra. Os modismos mercadológicos entravam e saiam e o Walter permanecia ídolo. Unanimidade em seu rincão, ele passou a escolher onde poderia ser visto e curtido, onde quereria, ou não, cantar. O canto intimista de um intérprete que, segundo Ruy Barata, tinha concebido e ensinado a todos os cantores do Pará os graves e os agudos, soava cristalino, permanece sagrado. E jamais dá impressão de ter ido embora. (E.A)



Sobrinha retomou venda de disco único

ELIAS SANTOS



Simone Bandeira, sobrinha/filha de Walter, adotada aos oito anos de idade, após a morte da mãe, retomou a venda do único registro oficial da carreira do artista, o CD “Guardados e Perdidos”. Uma forma de retribuir o carinho de toda uma vida. “Infelizmente não houve tempo para um lançamento [do disco] à altura. Seria lançado ao final de junho de 2009, em um grande show no Margarida Schiwazzapa, mas infelizmente ele nem chegou a ensaiar, pois nos deixou no dia 2 de junho”, recorda Simone.

Em 2009, quando já estava debilitado em virtude de um câncer, o cantor, ator, compositor e locutor Walter Bandeira teve o primeiro registro em CD concluído. A obra “Guardados & Perdidos” contém 13 faixas e foi a síntese de uma desejo cultivado com o amigo e pianista Paulo José Campos de Melo. O disco traz composições de Chico Buarque, João Bosco, Jaques Brél e do próprio Walter, que escreveu a letra da música que nomeia o álbum. Segundo familiares, Walter recebeu o CD com muita euforia, porém não teve tempo de fazer o show de lançamento.

A obra foi comercializada pelos familiares sem muita divulgação e só agora ganha contornos de “raridade”, graças aos poucos exemplares que ainda restam. “Achava que havia entregado todos para serem vendidos na Fox, mas ao revirar as coisas lá em casa encontrei duas caixas fechadas e resolvi vender por conta própria. Acho que todos merecem compartilhar este trabalho”, destaca Simone.



FALTA DE PATROCÍNIO

“Rei morto, rei posto”, dispara a moça ao lembrar que ninguém se interessou em patrocinar nada referente a Walter Bandeira após a morte do cantor. “Recebi muitas promessas para exposição das aquarelas dele, depois recebi uma ligação da Fumbel para criação de um memorial. Mas, só! Para ter uma ideia do desinteresse de nossos gestores pela cultura estou tentando desde 2009 doar as fitas k7 e VHS dos shows para algum órgão que se responsabilize em preservá-las e não consigo. Elas estão se deteriorando por falta de local adequado para armazená-las”, lamenta.

Com o pouco apoio que recebeu – a Rádio Cultura divulga a venda dos CDs na programação –, Simone está seguindo na trilha da valorização e preservação da memória do tio artista. “As pessoas passaram a me ligar e ir até a minha casa pegar o álbum. Isso demonstra que não precisei fazer nada para mantê-lo vivo, pois para os fãs ele continua vivo e o povo de uma maneira geral sabe ou quer saber um pouco mais sobre quem foi Walter Bandeira. Ele era o tipo paizão de todos, nunca fez distinção entre rico e pobre, falava e era amigo de todos”, destaca.

Simone deseja que 2013 seja diferente, para isso espera sensibilizar o poder público em torno da importância do artista para a cultura paraense. “Desejo que seu legado seja dividido e compartilhado, que sirva de referência para jovens como artista múltiplo que foi, sua diversidade cultural não pode ficar oculta em uma sala de museu, precisa aparecer em 2013, 2014, 2015...2052”, finaliza.

COMPRE

CD “Guardados e perdidos”

Artista: Walter Bandeira

Contatos: Simone Bandeira – 83017905 / monebandeira@gmail.com

(Edgar Augusto, especial para o Diário do Pará)

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