Julio Gomes
Editor da BBC Brasil em São Paulo
20h15. Maracanã. Quando comecei a escrever essas mal
traçadas linhas, duas horas e pouquinho após o final do jogo, Lukas
Podolski surgiu no gramado com o filhinho. Havia ainda uns bons 500
alemães no estádio.
Podolskinho chuta a bola, que é quase do tamanho
dele. Podolskão faz a defesa. E a torcida… vaia! Logo depois,
logicamente, teve a selfie do tuiteiro mais carismático da Copa do
Mundo. O bom humor alemão perdurou do início ao fim da Copa, espalhou-se
do campo para fora dele, da Bahia para o país inteiro.Times de futebol multiculturais são melhores do que times com jogadores "iguais" (todos altos, todos baixos, todos fortes, todos assim, todos assado). O Brasil sempre teve essa vantagem. País multicultural na essência, aproveitou-se disso nos anos em que começou a construir a lenda que é, nas décadas de 50 e 60.
Hoje, não é só o Brasil que tem essa vantagem. Assim como não é mais só o Brasil o dono da alegria.
O que os jogadores alemães nos ensinaram nos últimos 30 e poucos dias é que é possível sorrir mesmo em momentos de tensão e concentração. Conciliar vida com trabalho. É possível ser humano e também profissional ao extremo. É possível que um time de futebol deixe sua marca fora do campo, e não apenas passe de passagem por um país ou uma vila. É possível que jogadores, verdadeiras estrelas dos nossos tempos, saiam da redoma em que são colocados para lembrar que, fora dela, existem pessoas de carne e osso. Que riem, choram, dançam, passam fome.
Eu não tenho dúvidas que os jogadores de futebol do Brasil ficariam felizes da vida se tivesse a chance de interagir, de saírem da redoma. Não foi o que aconteceu na África do Sul, um país tão parecido com o nosso. Não foi o que aconteceu nem no nosso. Se tivessem feito o que os alemães fizeram, seriam acusados por oportunistas de terem "perdido a Copa por isso".
Legado
Não se ganha uma Copa assim. Não se perde uma Copa assim. E, no fundo, o que importa? Será que ganhar ou perder uma Copa importa mais do que o legado humano que a seleção alemã deixa para as pessoas de Santa Cruz Cabrália?Dito tudo isso, é sempre importante que projetos assim tenham sucesso. Ganhem, enfim. Para que a cabeça pequena que adora um resultado não relativize tudo.
Foi importante para o futebol que a Alemanha ganhasse a Copa do Mundo. Por tudo o que fez, por tudo o que vem fazendo e que já está sendo copiado lá na Europa.
Não tanto pelo jogo deste domingo, convenhamos. A Argentina fez um primeiro tempo primoroso. Perfeita taticamente, fez o básico até, o que o Brasil foi incapaz de fazer. Encheu de gente no meio de campo, juntou linhas e fechou espaços. Ajudou o fato de a Alemanha ter perdido Khedira logo antes da partida começar.
Quando recuperava a bola, a Argentina fazia uma transição alucinantemente rápida. A mesma que Felipão imaginou com Hulk e Bernard, pelos lados do campo. Só que para haver a transição rápida, e a estocada contra uma defesa que tem pouca velocidade, é necessário antes recuperar a posse. Isso, o Brasil não fez. A Argentina, muito mais evoluída taticamente, fez bem demais.
O gol que Higuaín perde, inaceitável em uma final de Copa do Mundo, teria sido a coroação de um primeiro tempo enorme, em que a Argentina, mesmo sem a bola, não foi ameaçada e muitas vezes ameaçou.
Lesão
A lesão de Kramer e consequente entrada de Schurrle ajudou a Alemanha. Ozil veio para o meio, Kroos, que não fez uma grande partida, recuou, e Schurrle passou a incomodar com sua profundidade. Aí sim, tivemos um segundo tempo bem mais equilibrado. Também porque Sabella errou ao tirar Lavezzi para botar Aguero, o que fez a Argentina perder consistência defensiva e velocidade para contra atacar.Ainda assim, foi criada a chance com Palacio. Outro gol que não se pode perder. Com a lesão de Di María e Aguero baleado, foi impossível não pensar na falta que fez Tevez. Os gols perdidos por Higuaín e Palacio não teriam sido perdidos por ele. E, convenhamos, nem por Messi nem por Aguero, é que as bolas caíram nos pés errados.
A vitória da Alemanha na prorrogação não veio por acaso. Um time claramente mais inteiro fisicamente e que estava buscando, não queria pênaltis.
E o gol saiu dos pés de Gotze, um garoto genial, muito novo ainda e que agora, possivelmente, terá uma carreira decolando rumo à estratosfera.
Em 2010, Iniesta. Em 2014, Gotze. Jogadores com características diferentes, mas, em comum, têm o bom trato com a bola, extrema qualidade técnica e capacidade de criação e improvisação.
Iniesta e Gotze poderiam ser brasileiros. Se tivessem nascido 50 anos atrás. Hoje em dia, não formamos mais jogadores como estes dois. E não é por falta de sorte, não.
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