19 outubro 2009

Aquele helicóptero nao era nossa tocha olímpica




do blog Rio Acima, por Marcelo Migliaccio

 Nosso smoking esta' rasgado


O governador do Rio, Sergio Cabral, ficou atônito com a explosão de violência no Rio no último sábado. Uma de suas primeiras preocupações foi tentar tranquilizar o mundo quanto ã Olimpíada e aos jogos da Copa do Mundo na cidade.

_ Avisei ao Comitê Olímpico Internacional que a coisa não é fácil, que é um trabalho de médio e longo prazo, mas que durante os eventos esportivos podemos colocar 40 mil policiais militares, civis e federais nas ruas e garantir a segurança. Vamos continuar nesta linha de enfrentamento do crime organizado.

Crime organizado? Milhares de jovens banguelas, de chinelo de dedo, viciados em cocaína e crack com fuzis na mão é crime organizado? Para mim, trata-se apenas do resultado de um país que não se preocupou com seu povo por cinco séculos. E uns ingênuos ainda dizem que a culpa é dos maconheiros, porque a necessidade de culpar alguém é maior que a razão.

O mundo pode até ter fingido que engoliu as explicações do governador, mas quem vai tranquilizar os cariocas? Vivemos aqui o ano inteiro e não apenas nos dias seguros de Copa e Olimpíada. Depois de tanta euforia midiática pela escolha do Rio como sede olímpica, eis que a realidade se mostrou novamente de forma virulenta e mais midiática ainda. Um helicóptero da PM abatido a tiros de grosso calibre, dois policiais mortos carbonizados e outros quatro feridos. Cerca de dez ônibus incendiados em vários pontos da cidade, graças a Deus, desta vez vazios. Mais de 20 horas de tiroteio no bairro onde nasceu Noel Rosa, Vila Isabel.

O discurso de que as competições internacionais trazem divisas nunca me convenceu. Eu estava quieto para não bancar o estraga prazeres, mas o Brasil precisa comer muito feijão com arroz para poder bancar o país de primeiro mundo como está querendo. Precisamos de muita escola, muito emprego, muita universidade, muito alimento, muito mais atenção com a cabeça das nossas crianças... muito mais do que tem sido feito pelos nossos governos. Foram 500 anos de baderna, exploração, egoísmo, roubalheira, discriminação. Isso não se conserta com meia dúzia de obras para uma competição que vai durar 40 dias daqui a sete anos. Vão despoluir a Lagoa Rodrigo de Freitas para as competições de remo? Que bonitinho... Quem mora ali vai adorar mesmo.

Mas e o lixão de Caxias, onde crianças catam dejetos para sobreviver? E as carceragens insalubres onde criminosos são aontoados sem qualquer chance de recuperação? E as milhares de adolescentes grávidas nas favelas, insufladas pelo sexisimo inconsequente da televisão? E os professores e médicos ganhando miséria? E as lan houses abarrotadas de adolescentes embotados? E os hospitais sem atendimento? É muita coisa, não dá para varrer para debaixo do tapete, como mostraram as imagens da guerra do Morro dos Macacos. Não adianta se emperequetar, nossa calça está rasgada.

As labaredas dos combates na Zona Norte do Rio nos acordaram do sonho olímpico. Vivemos sobre um paiol de pólvora e de vez em quando ele explode, cada vez menos de vez em quando. Certamente, durante os dois eventos internacionais, tudo estará em paz, milimetricamente vigiado para que quem tem direito ganhe seus milhões numa boa. Depois... bom, aí seremos nós, habitantes do Rio, novamente frente a frente com nossos fantasmas.

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