14 setembro 2013

O mapa da amizade

Fábio Seixas é jornalista com mestrado em Administração Esportiva pela London Metropolitan University, da Inglaterra. Escreve às sextas-feiras, Na folha de Sao Paulo
Na gaveta esquerda da minha antiga escrivaninha, na casa dos meus pais, repousa uma folha de papel cuidadosamente dobrada.
Papel de fax, quase ilegível. Afinal lá se vão 15 anos.
Um mapa. Ensinando minuciosamente o caminho desde o aeroporto de Frankfurt até a cidadezinha de Berg, ao lado de Nurburgring. Mapa que me guiou com perfeição, naquele 1998 sem celular nem GPS.
Dirigindo sozinho, de madrugada, na minha primeira vez na Alemanha, cheguei sem errar à casa em que se hospedava boa parte da imprensa brasileira que cobria a F-1.
Missão cumprida, trajeto feito, eu poderia ter amassado e jogado fora aquela folha de fax. Não sou de guardar coisas. Mas guardei o tal mapa. Memorabilia, peça do meu museu pessoal, a primeira vez numa corrida de F-1 fora do país --sei lá, achava que poderia ser a única.
Hoje percebo que guardei-a por metáfora.
Porque aquele foi só o primeiro de um monte de mapas que recebi nos anos seguintes, generosidade rara e que parecia grande demais vinda de um sujeito tão tampinha. Eu mal sabia que era só o começo.
Foi o único mapa redigido, é verdade. Todos os outros foram transmitidos por meio de risadas, xingamentos, provocações, brincadeiras. Por conversas das mais rasas às mais profundas em viagens intermináveis mundo afora. Em carros, balsas, trens e corredores de aviões. E por trabalho duro, pesado, exaustivo.
Como quando da primeira vitória do Barrichello. Fomos os últimos jornalistas a sair do autódromo. As folhas de papel sobre a mesa estavam úmidas com um frio que só percebemos quando enviamos os últimos textos para nossos jornais.
Como no dia do acidente de Burti em Spa. Quando deixamos a pista, já não havia onde comer. Depois de muito procurar, encontramos um velho pote de Nutella no armário da casa onde estávamos. Cada um pegou sua colher e ali jantamos. Ah, o charme da F-1...
Como nas decisões de título. Como nos momentos de agito no mercado. Como nos dias absolutamente sem notícia.
Nós e os repórteres japoneses, quase sempre os últimos a sair da sala de imprensa.
(Isso para não falar nas peripécias que armávamos para levar o som ambiente das pistas para o rádio do Brasil.)
Procurei seguir cada um daqueles mapas. Tentar falar com naturalidade no rádio, tentar escrever sem amarras, tentar zombar e ser amigo de todos na sala de imprensa, tentar ser melhor jornalista, tentar ser melhor pessoa.
Um ídolo que virou amigo, professor, irmão.
Não, hoje não vou escrever de Raikkonen, Massa, Alonso, Nasr. Não. O assunto é mais importante.
Porque se você sabe quem são esses pilotos, se você ainda acompanha F-1, saiba que deve bastante a ele. Concorde ou não com suas posições sempre firmes.
O sujeito dos meus mapas.
O Jornalista, com J maiúsculo, que inaugurou este espaço na Folha, há 20 anos.
Obrigado, Flavio Gomes.
fábio seixas

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